terça-feira, 23 de agosto de 2016

Despedida

Vou partir desta terra e deste cheiro, dos milhos verdes, da água da ria, dos barcos moliceiros e do tempo fresco. Vou partir desta casa e desta saudade. Um estado permanente que se pega à pele e permanece imutável. Sempre.

Vou partir. Vou levar comigo na bagagem, o descanso morno na cama quente, as fotos de menina, a salinha da lareira, o aido com fruta, o bom dia das mulheres, as conversas soltas de quem nos conhece há muito tempo e para na rua, a sorrir. Vou levar-me e levar-te.

https://neurocrescimento.files.wordpress.com/2012/03/milho.jpgSetembro vai chegar, as folhas vão cair, o sol ficará dourado e ameno e vou ter-te ainda. Porque a saudade é bem que se quer por perto, para confirmar que já fomos outros e continuamos com eles por dentro de nós. A compor a vida que temos e aquela que ainda sonhamos e queremos.

Deixo por cá a minha passagem, impressa nas muitas coisas que faço e sou. Como sempre, alindei jarras e cantos, decorei com pedras a beira das janelas, acertei quadros e cortinas, para tudo ficar a preceito e lindo. Intacto e silencioso. Profundo.

Porque este é o teu lugar. E tu estás sempre por cá, outra coisa não poderia ser. E por isso te sinto nesta despedida e por isso te levo para o recomeço do tempo dourado do outono.  

 

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O amor

O amor. Que coisa é esta do amor? 

Fiquei cheia desta palavra e desta procura, depois de o ter deixado em casa, magro e muito frágil, a sorrir, antes de fechar a porta, em jeito de agradecimento e segurança. Como se a tivesse agora, como outrora a teve, e dela fez a sua bandeira. Ainda hoje.

O amor.
https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/564x/fa/80/68/fa8068919abd987999e54abdbf549039.jpgConduzi pelas ruas lentamente, com o sol a consumir-me e a ideia da inevitabilidade do amor às voltas dentro de mim. Como coisa poderosa, que é cuidado, presença, preocupação, pele, sustentação, partilha. E dor, às vezes. Muito ou pouco, depende.

O amor que tem tantas caras e expressões, pessoas e dialetos, horas curtas e eternidades, princípio, meio e fim. O amor, que é dos filhos, dos pais, dos companheiros, dos amigos, das crianças da escola, das famílias, do mundo. O amor e os amores, todos diferentes e todos iguais, porque plenos de afeto, liberdade, autonomia. Diferente e ousadamente. O amor, como condição de respeito e bem cuidar. E bem querer. E bom ser.
 
O amor, aquele que damos e recebemos e nos faz fazer parte. O amor que evita a exclusão e o preconceito, que cria canções de roda de mãos dadas, gente atada nos outros, uma espécie de cordão umbilical, que vai e vem e não se desprende. Uma linha e uma conduta, um compromisso, a testemunhar histórias e percursos, que são nossas e dos outros, os que amamos e nos amam. Porque amor com amor se paga. E outra forma não há de viver.

O amor.
O que embala no berço, reforça o sonho, ampara na aflição, combate a desistência, imprime direção e rebeldia. E é porto seguro em dias de tempestade. E uma janela aberta para a vida, quando o ar falta no peito e o tempo parece estar em contra-relógio.
Como hoje, como agora.
 

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Descanso

Mar longo, mar imenso. 
Secam-me as palavras com a frescura da tua água, invade-me uma lentidão morna quando te olho, assim manso e lento junto à areia. Tanto mar e eu por perto, sem relógio e sem pulsar, apenas cheia de silêncio que é a única coisa que aprecio, por agora. E sol. E liberdade.

De resto, admiro-te todos os dias e recomponho o tempo junto a ti. Nada mais quero fazer, a não ser deslindar-me da pele enrugada das dores dos dias, ainda tenho o corpo cativo do cansaço e dos excessos. Do trabalho e das pessoas. Apenas algumas, sim.

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHEtdWUwuu74VAlW33xBsaDH-4sjgnrPrdzRzmTuFzOZx42WTHAclZQOYndewnVUtSJQ2xE3QSjcO_ga9kcJQpBkCiQj9EsAxoUC0DIj1NDKXLo-bnRgAoF-xf5nIVmD6PYskr9yEzpCVk/s1600/P+tarde.JPGTodas as outras moram comigo neste início de verão. Transportam a minha amizade e a minha vida, apreciam o mar por dentro de mim, escutam o silêncio e continuam atentas e dispersas, coloco-as assim por assim me ser mais fácil ouvi-las e atendê-las. Mas não falam, respeitam esta imensa necessidade de ouvir apenas e só o bater das tuas águas contra a areia dourada. 

Mar longo, mar imenso.  Daqui te vejo e quase te ouço, leve e gentil, para não assustar o bater do coração nem agitar o sono profundo do descanso. Dele preciso e dele me renovo, por agora. 
Contigo, lá ao fundo.