quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Há dias assim

O fim de tarde esteve lindo, apesar do frio. Avermelhado e laranja a prometer sol para o dia seguinte. Vai ser quinta-feira, mais um dia na semana e o corpo a pedir sábado. Para libertar o tempo de tanta tarefa, deixá-lo de molho na calda do sossego, um bem a não perder. Nós que andamos cheios de nada e ausentes de quase tudo. Sem espaço para a liberdade e a criação. 

Andei esmorecida, hoje. Sem alma, sem magia, apenas a fazer. A solidão prendeu-me o riso e a saudade inundou o dia. Uma certa melancolia, que veio de longe e se instalou. O frio não ajudou, digo eu, para nada dizer. 

Na escola, o dia correu bem. Vi mais risos, menos zangas e mais partilha. Houve propostas e festa de anos. Falámos de meninos e meninas felizes e conversámos sobre a importância de ajudarmos quem mais precisa. Quem chora. E houve a hora do mimo, que agora criámos e que todos gostam. Mimam-se uns aos outros, depois do almoço, quase em silêncio. É um momento em que estamos a aprender a tocar nos amigos com afeto. Para que as mãos possam inverter a fúria e a impulsividade. Foi bom.

Mas a melancolia não passou, nem a saudade. Qualquer coisa indefinida e meia triste. Qualquer pena, qualquer dor. Julgo que não afetou muito os meninos e se assim fosse, também não fazia muito mal. Os educadores são pessoas e as crianças precisam de as ter em todas as dimensões. Com bom senso, claro e em doses justas, diria eu. Para dizer que os adultos, por serem verdadeiros, não devem ser imprudentes ou imaturos. Sei que não fui.  

Agora fui reler  Sophia de Melllo Breyner  

As minhas mãos...

As minhas mãos mantém as estrelas 
Seguro a minha alma para que não se quebre
A melodia que vai de flor em flor
Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas 

domingo, 24 de novembro de 2013

Partilha pedagógica, ao domingo

Domingo. Já cheira a natal, embora eu ainda não sinta.
O sol veio de visita, morno e amigo, nesta manha fria. Ainda bem. Ajuda a espantar o nevoeiro das ideias e a escuridão dos medos. Inunda tudo de claridade, o que é uma bem para o corpo e a alma. Apesar disso, não liberta as palavras que trago encolhidas no coração.  Estão compactadas, sinto, e não há espaço para as distender. Aguardemos que o tempo ajude a construir uma composição mais percetivel e transparente: as palavras bem alinhadas, umas a seguir às outras, com os múltiplos sentidos a descoberto.

Enquanto isto, persigo ideias e sons, junto sentimentos e emoções e olho-me ao espelho dos dias. Penso nas crianças da sala. Vejo-lhes os risos e a zangas, permaneço um pouco naqueles que ainda procuram um lugar no grupo. Zangam-se e protestam, numa ladainha decorada pela presença de sofrimento. Sei que é isso, quem bate quer abraços, ainda que também segurança e apoio. Quem se zanga com muita regularidade, grita por adultos que os ajudem a serenar. Se não, ficam invadidos pelo medo dos seus impulsos, que não conseguem gerir. Lá na sala, ainda existem muitos meninos e meninas assim. 

Personalised Colour In Advent PosterE existem outros, que já se libertaram das amarras das suas dores e que iniciam um tempo e um processo de lugar no grupo, na rotina e nos projetos. Aprenderam o sentido de estar em conjunto, decidir, investir e avaliar. Não são muitos, mas estão lá, realizam os nossos desejos mais profundos de uma pedagogia estruturada e democrática. Confirmam a nossa necessidade profunda de sucesso como profissionais. Apesar de não o confessarmos, devolvem-nos uma imagem de competência. Mas são muitas vezes os menos apoiados, porque os deixamos entregues à sua autonomia, na impossibilidade de responder a todos. Descubro, muitas vezes, os seus olhos a pedirem colo. E corro para o dar, mas está sempre muito ocupado e cheio das histórias e dos corpos dos meninos e meninas mais inquietos. E sinto a minha limitação como pessoa e educadora. Não chego para tanta vida e tantos desafios. 

Nesta(s) dualidade(s) diária vou fazendo o melhor que sei, sentindo que não me chega a experiência, o saber e a emoção que me caracteriza. Nem as estratégias que procuro, regularmente. Mas não há como desistir. nem como não alimentar a vontade de continuar, com verdade, a tentar  dar o melhor de mim. A isso estou eticamente obrigada, porque a educação é um compromisso ético. 

Aconchego-me então em alguns ditos de quem pensou a educação das crianças no mundo

"  A criança precisa de ser frustrada para sentir que não pode possuir tudo e para poder pensar em vez de fazer; de ser contrariada para sentir que há outros interesses para além do seus; de sentir agressividade e também de a manifestar; de ter pais e educadores reais e não seres convencionais, frios, dogmáticos, daqueles que fazem educação pelo manual. Precisa de desobedecer para aprender o que é a desobediência; precisa de fazer experiências dolorosas para aprender a conhecer e compreender a dor; a criança precisa de ser educada com verdade”  (João dos Santos, 1991) 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Os Direitos da Criança

Termina o dia e as palavras todas ainda estão dentro de nós, os risos e os abraços, os desenhos e as pinturas, colagens e canções, pequenas birras, negociações e empréstimos, amizades e conflitos, tudo em catadupa, tudo em remoinho, que as infâncias algumas, são velozes e cheias de pressa, sujeitas a ventos do norte e chuvas de verão. As crianças crescem, mas muitas coisas estão ao contrário e permanecem assim por muitos anos da vida. Procuramos pedaços de sol e a brisa suave da primavera, abrimos janelas para alargar os horizontes, que as nesgas que nos dão para espreitar o mundo, são de curto alcance e escondem as promessas do futuro.

Compete-nos essa função e essa esperança. Essa luta, teimosia e persistência para com a infância. E porque se comemorou hoje a ratificação por Portugal da Convenção dos Direitos da Criança, trouxemos o assunto para a sala e lá estivemos a conversar e a pensar, a propósito do livro "Gabriel, o direitinho" sobre as crianças, os seus direitos, necessidades e desejos. 

Os meninos e meninos da sala ouviram a história com interesse e silêncio, para meu espanto. E depois falaram e disseram de sua justiça, deixando-me perplexa e contente..pela forma como os rostos e os olhos mostravam saber que o assunto era sério e a eles dizia respeito. E pudemos falar dos bebés, como pessoas importantes, contrariando o que na sala serve para agredir os outros quando estão zangados és um bebé... uma questão cultural, que muitos adultos dizem, bem o sabemos...

Quando fomos à escola do 1º ciclo oferecer uma cópia dos direitos das crianças, mostraram-se à altura dos acontecimentos...todos de igual forma? não, nem isso se pretendia, têm entre três e seis anos de idade, são vinte e cinco, todos diferentes e todos iguais, como diz o slogan...

O que foi bom ver e sentir, é que vale a pena não desistir, nem dar crédito aos nossos preconceitos escondidos, inconfessáveis, mas enraizados de que são pequenos, são difíceis, são desatentos, não entendem.

Também são, fácil a tarefa não é, mas impõe-se, para a construção de uma cultura democrática onde as crianças sejam pessoas de corpo inteiro. Onde possam aprender a pensar-se a a pensar o mundo e o lugar que nele ocupam.  

Volto a repetir, de mim para mim, para me lembrar quando o desalento me invadir: não é tarefa fácil, mas é urgente e o único caminho que conheço para respeitar as crianças e educar (n)a escola. 

sábado, 16 de novembro de 2013

Os teus olhos

Sábado. Dia de escrita.
Mas este é um sábado especial, faz seis anos que foste embora. Não consigo pegar nas palavras de qualquer maneira, nem elas deslizam livres como as folhas secas de mais um outono, melancólico e bonito 
Hoje, as palavras estão pesadas e atrapalham-se com o bater do coração, levemente descompassado. Quando partiste, alteraste o ritmo de muitas coisas. Muitas delas mudaram de sitio e significado e ficaram confusamente dispersas. Apenas o passar do tempo as recompôs, ainda que sem a mesma harmonia e afeto. As mães têm esse condão, colocam quase tudo no sitio certo, para que possamos ser gente no meio do mundo. Quando partem, olhamos para trás e já não há ninguém. Desamparados, ficamos sem encosto e com frio nas costas. Em muitos dias, não há cobertor ou manta de lã que nos valha. E gelamos. 

Assim estou. Mulher feita, ainda à procura dos muitos sentidos da vida, com saudade dos teus olhos. Acordei a lembrar-me deles, grandes e castanhos, menineiros e sorridentes. Curiosos e quentes. Às vezes ficavam tristes e deitavam muitas lágrimas, fui testemunha disso. Julgo que nem sempre os entendi como tu necessitavas e nem sempre o meu regaço e as minhas palavras foram um porto seguro de acolhimento. Quando somos jovens, encetamos com facilidade a fuga para a frente como se não houvesse mais amanhã para cumprir os nossos desígnios. Temos pressa e não temos tempo. Centrados em nós, descuidamos os outros. Desculpa por isso.  Mas aconchega-me saber que em muitos dias, a minha força e atenção contagiaram a tua confiança e as tuas decisões. 

Hoje, queria-te por cá, para ver os teus olhos e sossegar. Já teríamos ido tomar o café, comprado o jornal e tu contente ao meu lado, a falar de coisas comuns e importantes. E faríamos a seguir o almoço. Acho que podia ser arroz de tomate com jaquinzinhos fritos, coisa que nunca mais fiz e não apenas porque os fritos fazem mal. Há coisas que não se repetem quando as ausências doem. 

Hoje, sinto-me mais órfã e sozinha, apesar da casa estar com aqueles que amavas. Mas não chegam para ocupar o teu lugar vazio. Se te sentasses no teu sofá da sala, eu ficaria em frente a olhar para a televisão e não precisava de ir buscar a manta de lã e o saco de água quente. Estou cheia de frio, mãe e faltam-me os teus olhos. Para me dizerem, apenas com o olhar, que tudo está no sitio certo. E que não há porque ter medo do futuro. 

Tenho muitas dúvidas mãe e ninguém me sabe dar as respostas que o teu amor e os teus olhos me dariam. Sem grandes explicações, apenas pela tua presença. Apenas porque sim.
  

domingo, 10 de novembro de 2013

O nosso lugar

Deixei-me arrastar pelo trabalho e perdi o tempo e o silêncio, neste fim de semana. Não cuidei da minha reserva de oxigénio, feito de palavras e lugar para me aninhar em mim. Deslizar suavemente pelas coisas, reconhecer os sons do quotidiano, aguçar a memória e a imaginação, refazer-me dos incómodos da semana. Poder lavar a alma.  

E assim estou neste final de domingo, meia desconsolada e em falta com os meus rituais. Eu, que nesta fase, necessito urgentemente de arranjar um poiso, sereno e solidário, quente e conhecido, para me ajeitar ao mundo. Se tivesse treze anos diria que o mundo é mau, num expressão de recusa assertiva. Com cinquenta e seis anos, direi apenas que é complexo, aceitando as suas formas, desafios e perplexidades. Não dói menos, entender e racionalizar o que à nossa volta nos entra pelos olhos e pela pele. Pelos sentidos. 

A idade não destrói as crenças nem as convicções.Nem as necessidades. Talvez as suavize, mas elas permanecem intactas  e ás vezes redobram de força e energia. Tornam-se coisas prementes. Como o pão para a boca em dias de forme.  E eu preciso do meu lugar. O que sempre tive por debaixo da pele  e me faz ser quem sou. 
O lugar como identidade(s), conjugada no plural porque é assim que deve ser, tal é o tamanho de que somos feitos. Para me reconhecer todos os dias e quando for ao espelho encontrar tudo no sitio certo: as rugas, a alegria, a esperança, o sonho. Sem ser preciso pôr base para disfarçar pequenas expressões de estranheza ou inquietação. 

Rever-me de corpo inteiro no lugar de sempre, é o que quero. Com a força que sempre me inunda e a confiança na vida. Como pessoa e profissional. 
Por agora, distraio-me com os muitos ruídos do quotidiano e a agenda carregada de quem me rodeia. 
Não me refiz neste fim de semana e não cuidei de me tranquilizar no meu lugar.

Apesar de tentar, não o resolvi com este texto. 


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A força das palavras

Depois de um fim de semana por terras de Aveiro, perto da memória da minha mãe e da infância, regresso à cidade e à escola. Parece que estive muito longe, tal foi a imersão no verde dos campos, no azul da ria e na cor branca das garças que povoavam a terra mesmo à frente da janela da minha casa. Um fim de semana meio tristonho, mas cheio de aconchego(s). Os de sempre, que moram connosco no lugar do coração. 

E agora, mais uma semana. Respirar fundo e reiniciar o que parece ainda  pouco seguro. 

Chegaram pela manhã, com risos, abraços e alguns amuos, que isto de começar o dia é diferente para cada um de nós. Mil conversas entre eles e elas, pulos e saltos, caras paradas à espera que nos juntemos todos para planear o trabalho. Alguma confusão com quem fica ao lado de quem, negoceiam-se empréstimos de brinquedos e idas para as áreas, relembra-se o que ficou decidido na semana anterior, mas não ouvem, porque se instalam, com prazer, nas amizades já construídas e cimentadas ao longo deste pouco tempo de vida conjunta. Olho para eles e sinto-me dispensável, tal é a alegria do reencontro entre pares. 

Fico em silêncio a pensar que já muito cresceram, ali, na sala, palco de tantas vidas, ações, desejos, medos e confortos. Relembro o inicio e as brigas, os choros, a mão e o pé levantados com uma facilidade tremenda. Ainda é assim, mas com muito menos frequência. Agora, já aprenderam a usar as palavras em vez da impetuosidade do corpo sempre pronto para avançar sem olhar. Ainda assim é com alguns, mas aos poucos uma corrente de novas maneiras de ser com os outros vai tomando lugar e a dianteira e ouve-se com frequência: Manela, eu partilhei...eu trabalhei em equipa...e mostram as construções feitas a quatro ou a seis mãos, e pedem desculpa...e abraçam-se e apoiam-se e desenham a pares e pedem ajuda. E conversam.

E eu, olho e emociono-me. Gente pequena a aprender a ser gente, uma educadora a aprender a ser o melhor que puder ser, numa sala que já vai sendo património e lugar de todos. Ainda e sempre com diferentes níveis de inclusão e participação. Porque isto de pertencer a uma comunidade de meninos e meninas com adultos, é coisa muito difícil de alcançar. Pelo menos por estas bandas...mas para inicio de semana, não está nada mal. Eu corrijo. Está até muito bem, porque algumas palavras - mágicas - começam a ganhar terreno e raízes e a dar frutos. partilhar, ajudar, trabalhar em equipa, pedir desculpa...Sem falsos moralismos ou apelos normativos, mas como soluções e estratégias para uma convivência harmoniosa e respeitadora de todos e de cada um. Como alavanca para a construção da democracia na escola. 

Com gente tão pequena? sim, com gente tão pequena e tão capaz. Por isso é que podemos e devemos usar e abusar das palavras que permitem, ainda que lentamente, mudar as atitudes e os comportamentos das crianças. Para que sejam mais felizes e atentas ao mundo e aos outros.