domingo, 30 de dezembro de 2012

Monólogo em final de ano

Adivinho-lhe o coração. As penas e as dores. Os sonhos sonhados no silêncio do quarto, as lágrimas a correrem pela cara, a raiva contida, o medo de falhar, ver-se ao espelho e achar-se nada. Adivinho-lhe a tristeza, por detrás do rosto simpático e do riso doce. Adivinho porque sinto, adivinho porque conheço, adivinho porque sei.

E é isto que vamos fazendo ao longo dos dias e dos anos, ensaiando leituras silenciosas de nós e dos outros, porque nem tudo se pode dizer com palavras e nas coisas mais profundas, às vezes vale a pena silenciar. Eliminar as conversas, quantas vezes fonte de mal entendidos, magoam mais que consolam.
E ficamos assim, entre o sentir e calar, a deslizar devagar por entre os dias que correm e as noites que se alongam, dizendo e desdizendo, face à vertiginosa e surpreendente realidade da vida.

E por aqui estamos, à espera de um novo ano, que apenas vai ser novo porque o investimos recatadamente e em silêncio, de mil desejos e promessas. Sem contar nada a ninguém. E muito para além das passas, das badaladas da meia-noite, do brinde com champanhe.

Para além disso, fica tudo o resto, que é muito, que não sabemos dizer em palavras e que guardamos no nosso coração. Como o único lugar possível e seguro para guardar segredos. E monólogos.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Lições de pedagogia: ser-se quem se é

Era uma menino assertivo, tinha uns olhos azuis muito grandes e curiosos, sempre à procura de todas as novidades que o mundo lhe pudesse dar. Atento, as suas intervenções eram sempre muito diretas e incisivas, bem como as suas opiniões, que não deixava por boca alheia. Uma vez a ouvir uma poesia sobre o arco-íris e a amizade, não se coibiu de afirmar, isso não é verdade, essa coisa do arco-íris da amizade não existe, só se for aí nas palavras ou na vossa cabeça referindo-se a mim e ao grupo que tinha gostado da poesia. Retorqui como soube e pude, defendendo a liberdade de cada um poder acreditar no que sente e no caso, poder imaginar o arco-íris, as cores e os amigos. Fiz uma defesa forte pelo sentido da palavra e da poesia e ainda me lembro do seu silêncio a olhar para mim e da contrariedade de não lhe ocorrer nada para dizer, depois das minhas razões.    

Um dia, perto do natal, esteve em silêncio a ouvir o  planeamento que fizemos para a festa e nada disse. Sabia que não podia participar nestes festejos - a cultura e a religião que professavam em casa não o permitia - limitando-se nestas situações a fazer outras coisas, aceites por todos, depois de um dia ter apresentado ao grupo os seus motivos e eu ter ajudado na sua explicitação. 

Como sempre, depois do planeamento, metemos mãos à obra e lá fomos organizando a festa, sendo necessário, em alguns momentos, fazer ensaios, porque o grupo tinha escolhido apresentar um teatro.

Lembro-me de ter cuidado em não encher os dias só com estes momentos, permitindo e favorecendo a manutenção das rotinas e de um ambiente o menos stressado possível, convicta da importância de conceder ao natal a sua importância, sem contudo lhe dar um estatuto de hipótese única na sala. Porque é assim que entendia a intervenção com as crianças e também porque pensava no menino e na sua necessidade e direito de inclusão no trabalho diário. Mas sei que apesar destas preocupações, o natal invadia o espaço, as conversas e as produções das crianças.

Numa dessas manhãs, mais perto do dia da festa, íamos a entrar na sala, depois do tempo de recreio e o menino disse-me:
- Anda cá, Manela, quero dizer-te uma coisa
- Diz lá, disse eu, rodeada de muitas crianças
- Não, não pode ser assim, tem que ser em particular. E afastámo-nos os dois para um canto, sem ninguém presente
- Manela, não me digas que agora vais entrar e vais começar a ensaiar...
- Sim, temos que fazer isso, muitos meninos entram na peça e muitos têm faltado, precisamos de acertar tudo...
- Bem Manela peço-te que não faças isso...ainda por cima tu não és assim, não és essa educadora, és diferente...
- Diferente como? 
- Diferente, sabes aceitar as coisas, sabes pensar em tudo, tu não és assim, tu não és essa educadora...


Ri-me a abracei-o. Lá fomos para a sala e nesse dia não fizemos ensaios. Nos outros, que se seguiram, ensaiámos sem pressa e com o menino a fazer de encenador, dando a sua opinião e sugestões aos companheiros. Tínhamos combinado que essa seria a sua função, em conjunto comigo, situação que aceitou de bom agrado e fazia na perfeição. Foi fundamental no apoio aos colegas e ele sabia disso.

Sempre que é natal e estou no jardim de infância a trabalhar lembro-me do R.  e tento ser a educadora que ele me disse que era, em forma de chamada de atenção e aviso. Tento não perder o norte das minhas convicções e não encher as crianças de mil tarefas esgotantes e às vezes pouco significativas sobre o natal 

 E tento sobretudo respeitar aqueles que por opção ou condição familiar, o vivem de outra forma. Para que a inclusão seja uma prática e a pedagogia não fique esquecida, com as festas e as luzes do pai natal.  

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Já foi natal

Já foi natal. Já pusemos a mesa com a toalha vermelha e os pratos mais bonitos, acendemos a lareira e as velas, pusemos musica, sentámo-nos à mesa com os nossos, bebemos um bom vinho, conversámos e rimos. Deambulámos por pequenas histórias, enredos da infância e de outros natais, acertámos as contas dos afetos, emocionámo-nos por ser quem somos e podermos continuar à volta da mesa, a servir o jantar, a comentar este ano os sonhos estão muito bons, a falar um pouco de futebol, claro que o Mourinho vai sair do Real Madrid...da crise e das questões sociais e de este país já não tem nada para dar, vamos mesmo é para o estrangeiro...  

De vez em quando em silêncio, com as vozes alegres e joviais como musica de fundo, um pouco atropledas e sobrepostas, perguntámo-nos por aqueles que não estavam à mesa, mas que víamos, de forma nítida e clara, por detrás de um ombro ou de um rosto sorridente, perto da lareira ou junto do sofá. Ali estavam, sem corpo presente, mas ocupando o seu lugar, porque quem já esteve entre nós jamais desaparece por completo. Deixa-nos sempre um raio de sol ou luz, um cheiro, uma frase, um sorriso que em noites de natal, irrompem  a qualquer hora e lugar, sem pedirem licença, para se apresentarem tão reais quanto podem ser as memórias do amor e dos laços.  

Já foi natal. Já nos encontrámos mais uma vez no centro da casa, com aqueles que amamos e que nos cercam, trocámos presentes e lembranças, numa maneira convencionada de mostrar o amor e a alegria da sua presença perto de nós. Selámos cada oferta com beijos e abraços, suaves, quentes e fraternos, como linguagem certa e única de nos termos ainda uns aos outros e de isso ser de facto, a  prenda mais desejada de cada natal e de cada dia.

Já foi natal e já se cumpriu a tradição. Resta-nos acreditar e fazer fé que vamos de novo viver o natal para o ano, outra vez perto uns dos outros, com a alegria que soubermos e pudermos trazer novamente para o centro da sala. E isso, como todos sabemos, não é coisa garantida.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Pessoal e transmissível

Escrevi uma carta neste natal a uma amiga. Ao fazê-lo, dirigindo-me a ela, lembrei-me de tantos outros, gente com rosto e nome próprio, que me rodeia e faz parte da minha vida. Amigos e amores. E outros, anónimos. A fazer fé na ideia de que "o que há de mais pessoal e singular é também o mais universal", aqui fica o escrito com o seu consentimento, em forma de mensagem e alegoria neste natal.   

Este é um tempo difícil. Não há estrelas que iluminem o caminho, nem lareira que aqueça o coração. Os dias estão cinzentos, tristes e já não acreditamos no pai natal. Ainda decoramos a casa com alguns sinos, figuras do presépio e velas acesas. Mas é difícil resistir às memórias e às ausências.

Apesar de tudo estamos vivos, fazemos arroz doce e aletria, compramos umas lembranças às crianças, gostamos de as ver felizes e contentes. Apesar de tudo escrevemos postais e cartas, mandamos mensagens e às vezes, no silêncio da nossa cama, rezamos, sem ladainhas antigas, mas rezamos. Uma espécie de ave-maria, com outras palavras, mas com o mesmo mistério. Porque no natal é impossível fugir ao mistério da vida, em forma de balanço e promessa.
 
Por isso, hoje, teremos que inundar de amor o nosso tempo e convocar para a mesa, ao lado das velas e dos doces, os sonhos, a amizade, o calor e os afetos. Resistir à solidão, aquecer a vida, tomar café com os amigos, ler livros, tocar nos objetos com história, dar abraços, ficar por dentro de tudo, ainda que lenta e suavemente. Mas não poderemos abandonar-nos à dor que persegue os nossos dias e fere as nossas noites.

Teremos que fazer o natal, aquele que for possível, rebuscando no coração todas as recordações doces que fomos acumulando nos imensos natais que já se foram e onde fomos felizes. Para que se tornem também uma imagem ao lado de outras e perturbem a tristeza que se entrincheirou no nosso corpo e espírito. Que briguem com ela, que a espantem e a derrotem. Para que voltemos a sorrir e a querer. Convictamente.

Aqui fica assim, como ato simbólico, um mimo da nossa terra e um abafo quente e colorido para as noites do sofá. Para te mimares com as origens de seres quem és e aqueceres o corpo e a alma para o que ainda há-de vir. 

E que aquilo que ainda há-de vir te cubra de espanto, alegria e projeto. Para que continues a ser a amiga forte e segura que sempre conheci e da qual gosto muito.  

Bom natal. E um ano de 2013 com saúde e amor. Muito.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Palavras emprestadas: "Se tanto me dói...."

Há dias que são sínteses do que somos. Parecem criados para nos confirmarem e chegamos à noite convictos que as horas, todas as horas do dia, somadas, traduziram a nossa identidade primeira. Aquela que nos faz ser aquilo que somos, únicos e imperfeitos, únicos e ignorantes, únicos e acutilantes, únicos e procurantes. 
   
No fim do dia, entre o natal que não chega e o trabalho que não se esgota, um cansaço profundo, ainda que tranquilo, pela presença permanente de nós, em nós. Sempre e apesar de tudo.  
Sem forma de traduzir o que o coração sente, pedimos emprestadas as palavras a quem escreveu um dia, aquilo que neste dia experimentamos. Como identidade primeira.


Se tanto me dói que as coisas passem
É por cada instante em mim foi vivo                                     
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem

                Sophia de Mello Breyner Andresen


domingo, 16 de dezembro de 2012

Conto do mar

Está frente ao mar, a olhar para ele e não se vê rasto de coisa nenhuma. 
Regressou há pouco de uma viagem arriscada, tinha partido com a bagagem necessária, preparara-se meses a fio e no entanto desistiu antes do tempo, conta-se, por não ter forças para nadar e recusar obstinadamente os utensílios de sobrevivência em alto mar.  Quando chegou, viram-lhe um rosto sombrio e lamentos disfarçados, mas fechou todas as janelas, calafetou-as com energia determinada, decidido a não ouvir o soprar do vento e a brisa marítima, nem os gritos das gaivotas em terra. Ficou em silêncio durante muitos dias, entrando e saindo de casa em terra firme, com os olhos no chão. Não queria ver o azul do céu, esse gesto confrontava-o com a lembrança da cor da água, suave e doce, que pensara encontrar quando partira em viagem. Apesar de avisado de eventuais riscos, não acreditou e assim, cedo os conheceu, justamente quando a tranquilidade das águas se agitaram e ameaçaram varrer tudo em seu redor. Não soube ou não quis aguentar a surpresa da tempestade que subitamente chegou e desanimado, desistiu. Os que puderam, falaram-lhe em retomar o barco e o sonho, lançar-se de novo, aconselharam-no a ser mais afoito e resistente, mas olhou desconfiado para as palavras e o propósito, fechou o rosto e ensurdeceu ainda mais.

Pela primavera alguns viram-no rondar a praia, apreciar as gaivotas, lançar pedras para a água,  em gestos tímidos de pacificação. Um burburinho correu na vila, andava de boca em boca a ideia que talvez tentasse de novo, animados alguns decidiram recolher coisas que o ajudassem na próxima partida, tal era o desejo e a convicção que isso seria um bom (re)começo. Mas desistiram passado tempo, quando o viram de novo trancar as portas, deixar de procurar a linha do horizonte e de seguir as pegadas das gaivotas.

Hoje vêem-no decidido a sair de casa em terra firme, sorri sempre que necessário e reúne-se às vezes ao fim da tarde, no café, falando da vida da cidade e de partir para longe. Ninguém se atreve a dizer-lhe que esse parece um destino pouco ajustado para quem ama o sal do mar e o cheiro das algas. Mas ficam perturbados, não lhe vêm rasto de vestígios no corpo ou na memória da  partida que um dia encetou: um pouco de areia a sair dos bolsos, odor de maresia no cabelo, saudade trauteada em canções do mar. Nada. Confundem-se, nem sequer sabem já confirmar se um dia chegou a partir, tal é a ausência de qualquer rasto naquilo que é.
Apenas a mulher mais velha da vila afirma a pés juntos que anda a falar do que não quer e  que a boca não diz o que o coração sente.      


sábado, 15 de dezembro de 2012

Relembrar o natal

Também era dezembro, havia frio e fazia-se o natal, mas não me lembro de montras, nem de luzes a brilhar, nem do pai natal, nem de renas, nem de embrulhos sofisticados com laços grandes. Lembro-me do presépio, do cheiro e da humidade do musgo, que apanhávamos na quinta, em dias de nevoeiro, ficando com a roupa molhada e as mãos frias. Lembro-me das imagens pintadas, a vaca e o burro, uns patos que colocávamos em cima de um espelho para fazer de lago, do moinho, de umas lavadeiras, dos reis magos, do menino, da Maria e do José. E lembro-me principalmente do tempo e da alegria de fazer o presépio, muito grande e largo, quando comparado com o tamanho da sala.

Todos os anos esta jornada criativa de fazermos as montanhas e os vales, colocar figuras, porque o presépio era uma história passada  num lugar, com personagens e enredos. Aprimorávamo-nos para que estivessem lá todos, numa coexistência pacifica e bela. Por isso nos detínhamos nos pormenores, ninguém podia ser esquecido, o menino que nascera exigia uma terra bonita. E ampla. Um mundo, ainda que local. Lembro-me do entusiasmo da criação, das caixas de sapato debaixo do musgo para fazer os montes, das pedrinhas e da areira para o caminho das lavadeiras e pastores. Tarefa longa, sempre renovada pela partilha da construção a dois. Eu e o meu irmão, ele mais velho, pronto a resolver questões técnicas da tarefa, eu a mexer devagar as figuras, a mudá-las mil vezes de lugar, para encontrar o lugar perfeito para cada um. Porque fazer esse presépio era como refazer o mundo, todos os anos. 

No final, arrumávamos tudo, deitávamos fora o que restava, paus e pedras e areia, coisas que tínhamos trazido e não encaixaram no  projeto desse ano. E depois ficávamos a olhar, em silêncio. Creio que felizes. Guardo até hoje a imagem desses presépios grandes, sóbrios, verdes, húmidos, a cheirar a terra e a musgo. E não me lembro de nada que brilhasse, reluzente, a não ser uma pequena luz, muito discreta, da estrela colocada por cima da cabana do menino.

E o natal era isto. Sem avenidas largas, lojas de griffe, luzes incandescentes, prendas sofisticadas, multidões apressadas, cansaço e agitação.
Apenas um presépio numa sala, o meu irmão como companheiro de jornada, de mãos longas e decisões certas e o calor imenso de obra criada. Renovada ano após ano, mantendo a sua matriz original. Não sei quando deixámos exatamente de fazer este natal, mas sei que tenho saudades dele.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Lições de pedagogia: verdade e consequência

Quando entrou no jardim de infância, ainda não tinha três anos, só os fazia em dezembro. Pequeno, muito pequeno, tinha uma expressão séria e triste. A separação da família, principalmente da avó, era-lhe muito dolorosa e passava os dias a chorar, parando por alguns momentos, quando se concentrava em alguma situação ou companheiro.  Nunca se separava da mochila que trazia fielmente às costas, a prolongar o cheiro e o aconchego de casa. As nossas palavras, atenção e abraços não o consolavam e muitas vezes durante o dia, pedia:
- Manela, vamos dar uma voltinha à rua...
E lá íamos os dois de mão dada, acertando o passo pelo recreio, comigo a falar, para espantar a tristeza e criar vínculos. Nesses momentos abrandava o choro e ficava mais tranquilo, fazia algumas perguntas e distraía-se. Quando voltávamos para a sala, de novo chegava o choro e o desconforto, a tristeza. Com mochila e no meio da sala, parecendo sempre pronto para sair,  a sua participação passava pela atenção que tinha a tudo o que acontecia em seu redor e que seguia muitas vezes, apesar das lágrimas nos olhos.  Sentia-o profundamente atento, apesar de tão pequeno e do choro continuo.
Um dia, no final de novembro, disse-me, pondo a sua mãozinha no meu ombro, chegando-se a mim e sem prenunciar o r
- Manela, esc(r)eve ali no diá(r)io que hoje eu fiz um t(r)abalhinho lindo...
- Mas tu fizeste um trabalhinho lindo? Eu não vi...
- Não...mas esc(r)eve, Manela
- Olha, ali no diário só podemos escrever o que acontece mesmo, só podemos escrever verdades, o que combinamos, o que acontece, o que fazemos... e tu não fizeste nenhum trabalhinho...eu não vi. Fizeste?
- Mas esc(r)eve, Manela, esc(r)eve que eu fiz um t(r)abalhinho lindo pa(r)a minha avó Linda...
- Não posso, tu não fizeste...mas se tivesses feito, onde é que querias escrever?
- Ali Manela, ali...no "gostámos", apontando a coluna correta do diário.

Fiquei a olhar, espantada pelo conhecimento do menino, que no meio do choro, tinha aprendido o nome das colunas do diário e de alguma forma, o seu significado. Fiquei indecisa, tive muita vontade de lhe fazer a vontade, estive quase a fazê-lo para o tranquilizar, para o premiar, para o mimar, para que tudo ficasse bem.  Mas, no respeito pelo M, pelos outros meninos e pelo sentido da utilização dos instrumentos de regulação do grupo, afirmei
- Olha quando é que escrevemos no diário? é quando fazemos mesmo as coisas, não é? e tu fizeste o trabalhinho lindo? ainda não fizeste...
Então, numa decisão que não lhe conhecia, foi buscar um papel, pegou numa caneta, tirou a mochila e de pé, fez um "trabalhinho lindo". Um desenho com traços, bolas...e deu-me.
- É pa(r)a a minha avó. Manela, agora esc(r)eve que fiz

Ainda que de uma forma muito rápida e estratégica, o  menino, tão novo e tão pequeno, tinha compreendido que para "se escrever tem que acontecer", aceitando as regras da sala e o modo de funcionamento do grupo. E eu, apostando nesta situação para valorização do trabalhinho e da decisão do menino, coloquei o nome, a data, vi o desenho, conversámos e depois fomos escrever os dois na coluna do "gostámos" que "o M. fez um trabalhinho lindo para a avó Linda". Á tarde, em conselho, em grupo, mostrámos o trabalho a todos e lemos o que tínhamos escrito.

Nos dias seguintes, a mochila foi sendo retirada aos poucos das costas e deixada esquecida pela sala, até ser finalmente colocada no cabide, aí ficando todo o dia. O M. continuou a fazer t(r)abalhinhos lindos e os períodos de tristeza foram diminuindo, enquanto aumentava o seu envolvimento e participação na dinâmica do grupo.
Estivemos em conjunto mais dois anos e o M tornou-se uma criança muito ativa e interessada, e um elemento fundamental no acolhimento aos que chegavam de novo.  Tenho a fotografia dele aqui no meu sótão, mesmo em frente à secretária, a sorrir, oferta dada quando foi para a escola.

Foi por isso que mais uma vez a olhar para ela me lembrei desta lição: vale sempre a pena manter a autenticidade e o respeito pelo que fazemos na sala e vale ainda mais a pena, agarrar as oportunidades e ajudar os meninos a darem alguns saltos no seu desenvolvimento. No caso, aproveitar o diário, cuja função o M. já tinha compreendido, como estratégia de libertação da mochila e inicio de uma integração mais ativa na vida do grupo. Coisa que só se faz unicamente com verdade.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Olhar o tempo

É uma coisa engraçada o passar do tempo. Engraçada e singular.  Estranha, se nos detivermos com tempo.
Não damos por ele durante muitos dias da nossa vida, há até uma altura em que o sentimos longo e muito lento, preguiçosamente atrevido, gostoso,  a lembrar as  tardes de verão, quentes e compridas, com relógios de ponteiros parados que ajudavam as brincadeiras a estender-se pela noite dentro. Nessa altura não o sentíamos, estávamos presos e embrenhados a caçar borboletas,  seguir carreiras de formigas ou a dizer "partida, largada, fugida" e correr felizes pelo meio das searas de trigo. Um tempo quente. Queríamos lá saber se ia ser segunda-feira, todos os dias se apresentavam como uma possivel eternidade. Crescíamos a cada minuto, mas o tempo era coisa menor, coisa pouca, variável não equacionada.

Tínhamos também os momentos da impaciência do tempo, sim, mas como coisa presente, de momento, um entrave para o desejo e a necessidade, aqui e agora: o comboio que atrasava o encontro do amor, aulas de madrugada que impediam o prolongar doce do sono, a espera ansiosa da matiné ao sábado. Ou o abrir das prendas do natal, em dezembro. Findo isso, consumada a necessidade, o tempo deixava de ter a urgência que lhe tínhamos dado, para voltar a ser de muitos outros ritmos. E ríamos, de curiosidade e surpresa quando os mais velhos, (mesmo muito mais velhos, pensávamos nós) diziam "aquele rapaz da minha idade, do meu tempo". Rapaz?   Do tempo? Qual tempo?

Depois, subitamente, sem se saber como, o tempo a correr veloz.  A fugir, a escorrer sorrateiro numa avalanche de dias e horas, semanas, meses. O tempo sempre adiantado, o tempo sem nos dar tempo para nada, nós a tentar detê-lo, a puxar os cordelinhos da lentidão, a querer as tardes longas e os relógios parados. O tempo como variável equacionada, o tempo contado ao minuto. Para sair de casa, para fazer o jantar, para levar os filhos à escola, para tomar um café, para fazer uma reunião, para ter uma conversa boa, para gostar, para sentir que não há tempo. Tudo a correr, mês após mês, ano após ano.

E de repente, sem saber como, aqui estamos nós.  Frente ao tempo, com falta dele e adultos. Muito adultos. Contaminados pela ideia que mil ocupações apressadas são condição imprescindivel da vida.  Aqui estamos nós, onde chegámos. Razoavelmente cansados, razoavelmente crescidos, razoavelmente lúcidos, razoavelmente bem sucedidos, razoavelmente envelhecidos. Lutando contra o tempo, porque ainda temos uma razoável necessidade de fazer muita coisa.  E tempo?
E se por acaso olharmos demoradamente para uma fotografia nossa, veremos com absoluta nitidez o passar do tempo. Como hoje aconteceu quando uma amiga me mandou uma fotografia.   

 

domingo, 9 de dezembro de 2012

Natal

Hoje lá me convenci a mexer no natal. Mexer, sim, ir buscar as caixas e os sacos e começar a desembrulhar tudo o que foi guardado o ano passado: presépios, bolas e estrelas, sinos, laços, velas, renas, ofertas dos meus filhos quando eram pequenos, feitas no no jardim de infância e na escola. Postais de amigos,  votos natalícios, alguns textos bonitos que me deram. Guardo tudo até hoje.

Já é tempo de mexer no natal, aqui em casa, sim, é dezembro. Mudar a toalha e a camilha, ir buscar a árvore de natal e começar a enfeitá-la, colocar o veado na porta, acender algumas velas  apenas para ver o efeito, olhar de longe, sorrir com o calor dos vermelhos e a beleza de alguns espaços, pensados ao milímetro. Recuperar esse prazer de renovar a casa com cores, luzes e azevinho.

Já é tempo de mexer no natal, ainda que sinta a falta da minha mãe, atarantada sem saber para onde se virar, mas a sorrir de contente, alegre e bem disposta e o ar sério do meu sogro, quando na cadeira de rodas me dava do regaço, um a um, o que eu lá tinha posto, para que também participasse. E participava, às vezes até dizia o lugar onde eu devia colocar as estrelas. Era habitual: a sua opinião nunca coincidia com a minha, ele escolhia sempre um tronco diferente. Eu fazia-lhe a vontade. Entendiamo-nos por gestos e afeto.

Já é tempo de mexer no natal, ainda que os meus filhos sejam já muito grandes, homens feitos, e eu tenha saudades da sua curiosidade e excitação de meninos, na procura das prendas. Da impaciência com que esperavam pela noite, eles e os primos. Agora já não é preciso aquietar-lhes a agitação, ficam serenos no sofá da sala, ao pé da lareira acesa, a conversar. Gente grande é o que estão.  

Já é tempo de mexer no natal, ainda que de facto a energia não abunde. Mas julgo que não será difícil. Se pensar bem, coloco tudo mais ou menos como estava o ano passado, com cuidado e atenção. Depois olho de longe e acho que vou gostar. E depois arrumo as caixas e os sacos que ficaram vazios e guardo-os numa gaveta. De uma assentada só aproveito e coloco lá dentro também alguns pensamentos e ideias que andam por aqui perdidos e que impediram que até hoje mexesse no natal.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Pontuação

Não posso escrever sobre o que hoje sinto. É muito e por isso impossível de alinhar em palavras comuns e linhas direitas, porque muita coisa está torta e desalinhada e os meus pensamentos vagueiam inquietos. Saltitam, à procura de um poiso, um espaço sereno, uma síntese, um resumo, palavras chave que possam, à semelhança do que fazemos nos trabalhos científicos, traduzir o fundamental. Em forma de apresentação e remate.

Mas não há remate para o que hoje sinto. Nem ponto final, nem de exclamação.O que  abundam são os pontos de interrogação, safados, sempre prontos para terminarem as ideias e colocarem-se no final das frases e dos pensamentos, afastando os pontos finais e unindo-se às reticências. É uma união forte e feroz, não sei como abatê-los nem quebrar-lhes o hábito de aparecerem, quando distraída me passeio pelo passado e alimento o futuro. Até no presente se infiltram, estes auxiliares da pontuação. Auxiliares? "estorvos!", diria a minha avó Carmina, se tal lhe contasse. E diria também, com voz segura "não lhes dês confiança, deita já fora esses pedaços de interrogações e reticências que só atrapalham a vida. Vá!"

A ideia da minha avó seria dita assim, no imperativo e com ponto de exclamação e um certo olhar de censura, misturado com ternura e apoio. Não lhe sentiria os abraços, não era mulher de afetos efusivos, mas a sua confiança e determinação seriam hoje uma ajuda preciosa, para desembaraçar esta torrente de perguntas e duvidas. 

A minha avó tinha umas quantas superstições, lembro-me disso, davam-lhe um encanto místico, uma espécie de mistério e força interior. Atenta, parecia andar sempre a afastar os maus presságios e fazia-o com muita convicção. Um dia, tinha eu treze anos, íamos as duas de comboio e eu estava de mãos cruzadas, no colo, repetidamente a entrelaçar os dedos, num movimento de abrir e fechar. Ela ia quieta ao meu lado e de repente bateu-me nas mãos e disse: "Para lá com isso, ainda vais ensarilhar a tua vida toda". E eu parei. E nunca mais me esqueci disto. 

É por isso que nestes dias assim, precisava da sua presença para acabar com os pontos de interrogação e as reticências e colocar uns pontos finais onde fosse necessário. Com firmeza e sem hesitações.  

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Lições de pedagogia: tempos livres?

Quando o meu filho mais velho foi para o 1º ciclo, a escola foi inaugurada e iniciaram-se os tempos livres. Ainda não havia as AECs, há vinte anos a escola ainda não era a tempo inteiro. Os tempos livres funcionavam num unico espaço, o refeitório, com muitos meninos, de muitas idades, sob a orientação provisória de uma professora da escola, apenas durante duas horas e algumas auxiliares. No incio era um pouco confuso, as crianças não sabiam bem como e onde estar, o que fazer e os adultos também não. Mas uma coisa era certa, os meninos passavam muito tempo a fazer os trabalhos de casa, contra a vontade de ir brincar.
Falava-se na eventual constituição de uma associação de pais, mas a situação estava dificil de "arrancar". Como mãe e profissional interessada nas "coisas dos miudos" quando podia, ficava um pouco por lá, ajudando as auxiliares, brincando com as crianças, organizando o espaço, conversando.

Num dos dias quando entrei, já tarde, vi um menino, afogueado, cansado, com a cabeça em cima dos livros a tentar acabar uma conta. Sentei-me ao lado dele e comecei a ajudá-lo para ver se deixava de ter os olhos pregados nos outros, que andavam a correr, jogavam à bola no ginásio e entretinham-se com mil outras coisas...A conta estava dificil e entretanto o Rui, um outro menino de seis anos, sentou-se ao meu lado, a ver. Subitamente, perguntou
- Manela, isto é os tempos livres?
- Sim, Rui, são os tempos livres.                   
- Mas Manela, isto são mesmo os tempos livres?
Olhei para o Rui, parei e disse
- Rui, isto chamam-se atividades de tempos livres, depois da escola, onde os meninos brincam...
Sem me deixar terminar, disse rápido
- Oh Manela, se isto são os tempos livres, o que são os tempos presos?

Juro que dei uma grande gargalhada e um abraço ao Rui. E decidi nesse momento que ia dinamizar a constituição de uma associação de pais, para tentar, em colaboração com a escola, fazer daquele espaço um centro de tempos livres. O processo não foi fácil, mas com o tempo tudo mudou, muitos pais integraram a associação e colaboraram na organização e desenvolvimento daqueles tempos livres. Em muitas reuniões fomos discutindo o sentido e a função daquele espaço, mobilizando a participação dos meninos e das auxilaires que viraram umas profissionais com uma competência extraordinária, lembro-me delas até hoje. Permaneci na associação onze anos - o meu filho mais novo também andou nessa escola - sempre a tentar que os tempos livres não fossem presos. Com o envolvimento de todos, sei que a maior parte dos dias se conseguiu.

Não sei é se agradeci convenientemente ao Rui aquela chamada de atenção que até hoje me orienta, quando estou com os meus meninos. Tempo livre ou tempo preso?

Palavras emprestadas: "De que cor é o desejo"?

Num dia assim, meio morno, meio cansado, meio saudoso, invadiu-me o desejo de mar, da sua imensa lonjura e de tempo para o olhar. Sem palavras para mais dizer, de novo as peço emprestadas  a outro(s). Aqui ficam

O azul me prende a ela
"Não saia dessa janela
não saia desse lugar"

Será o azul do céu
a fita que traz no cabelo
a doçura do olhar?

O azul me prende a ela
e sem que ela me escute
vou pedindo sem falar

"Não saia dessa janela
não saia desse lugar"

(João Pedro Mésseder - "De que cor é o desejo?)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Ser(se) educadora

Fui a Évora falar sobre o meu percurso profissional no contexto da Lincenciatura em Educação Básica. O convite não veio com nenhum guião prévio, a não ser a ideia de apresentar a trajetória profissional de uma educadora de infância, à semelhança de outras já realizadas e a realizar - professora do 1º ciclo, por exemplo - para dar a conhecer esta "coisa" de ser-se educadora ou professora. Lá fui, falei, conversei, li excertos de textos de outros, dei exemplos, convoquei meninos e famílias, momentos criticos, contextos de trabalho, aprendizagens.

Uma hora e meia de muitas palavras, apoiada num roteiro antecipadamente pensado (não com muito tempo, diga-se de passagem) onde as dimensões pessoais se cruzaram com as profissionais, pois como disse, citando António Nóvoa, em cada profissional há uma pessoa e a pessoa é o profissional.  E falei dos diferentes contextos por onde fui sendo educadora, certa de que, como refere Rui Canário, a escola é o lugar onde os professores aprendem. E citei Paulo Freire e a Pedagogia da Autonomia, João dos Santos, Sérgio Niza, Edgar Morin.. e falei do trabalho voluntário e cívico que sempre me acompanhou desde a juventude, de formações realizadas, de outras educadoras que foram e continuam a ser referências fundamentais no meu desenvolvimento profissional. E disse também de gostar de escrever e de me inquietar com a profissão. E falei também de ética e de democracia. Tudo isto numa hora e meia. 34 anos numa hora e meia!

Depois no comboio, de regresso, pensei se teria dito o fundamental. Se teria dado suficiente centralidade à criança, às crianças e às suas famílias, as matérias primas essenciais nesta caminhada de me ter tornado a educadora que sou e ainda virei a ser. 

Se terei salientado, com suficiente convicção e clareza, os enredos da jornada pedagógica, o fluir do quotidiano, a dimensão da sala, dos risos, das conversas, dos desenhos, dos projetos, da aprendizagem, do currículo.

Se terei referido que o instrumento fundamental do trabalho das educadoras é o seu corpo, não só aquele que se vê, uma espécie de território físico que abraça, ampara, contém, liberta, mas também o que está dentro do corpo, na cabeça e no coração e que são sentimentos, ideias, conceções, perspetivas. O Ser, saber e saber fazer, tão banalmente papagueados como domínios da aprendizagem e do ensino, mas tão difíceis de traduzir e alcançar, em coerência. Se terei dito, sem rodeios, que ser educadora é ser isso tudo, em simultâneo. Se frisei o modelo que somos para as crianças e as famílias todos os dias, dos muitos dias da nossa vida profissional e como isso é de uma extrema exigência. Se falei do cansaço, para além do deslumbramento.

E se no meio de tantas palavras, centrada na minha experiência e no caminho feito, terei mostrado a realidade da profissão. Uma parte, claro, porque o mundo é imenso, as formas de viver a profissão também e cada um de nós apenas pode ousar desocultar, com o máximo de verdade, a sua verdade.  
Espero assim ter feito.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Domingo

Hoje é domingo, dia de amestrar preguiças, como nos diz o poeta, sobre a infância. E sabendo que essa  nem sempre é a melhor fase da nossa vida, criança me queria hoje, para correr num campo verde, subir às árvores, brincar aos pais e às mães,  comer gomas e mandar para o ar o maior monte de folhas secas do jardim.

Mas não posso.Ocupações de gente crescida me esperam, que a semana vem aí cheia de trabalho e é preciso pensar e planear para melhor intervir. Lemas que temos na cabeça, acompanham as nossas práticas, mas nos impedem de amestrar preguiças num domigo como este, que bem o merecia. Enquanto isso, aqui fica a poesia de António Catalano

Infância

A infância é surpreender-se
Com os pirilampos,
Com a giesta,
Com o botão que abre. 

A infância é pentear
Cometas, amestrar preguiças.
                                                                             
A infância é irritar-se com as coisas,
Mudar frequentemente de sitio,
Inventar novas ideias.

Não nos interessam as respostas,
As incertezas imutáveis.

Estamos fascinados pelas interrogações,
Caminhadores de perguntas.

                   

sábado, 1 de dezembro de 2012

Pequeno almoço

É sábado. Apetecia-me pôr a mesa para o pequeno almoço, como às vezes fazia, a tolha verde seco, uma taça com morangos, pão de sementes e requeijão, doce, cereais, sumo de laranja, as chávenas para o café, no fim. Ir compondo tudo devagar na mesa, ajeitar de novo o sitio das coisas, para tudo ficar bonito. Comprovar que assim era, distanciando-me da mesa e olhando de longe. Outra vez. E com o sol a entrar pela janela, como hoje está. Apetecia-me depois que se sentassem à mesa, cada um no seu lugar, com gestos leves e flexíveis, os olhos sorrissem a olhar para as iguarias, assim consideradas pela fome de comer e começar o dia. E ficaria a vê-los cortar o pão e barrá-lo com doce e requeijão, misturar o iogurte com os cereais, abrir e fechar o jornal, combinar coisas para o dia, rir de uma graça da noite anterior...ficar a vê-los, as palavras ainda com sono, os gestos lentos, os rostos iluminados, aos poucos umas gargalhadas mais soltas e fortes.

E sairia para tomar o meu café, como hoje fiz, sem que uma saudade inconveniente viesse bater-me à porta e entrasse, devagar, sem ter pedido licença e sem que eu tivesse consentido. E sem me sentir piegas e pouco ajustada aos tempos que correm.
Então, em tempo de crise, a menina sonha com uma mesa assim? Não lhe chega o leite com café e uma torrada com manteiga?
Vá contente-se, o tempo é de crise, nas iguarias e nos sonhos, seja modesta e poupada. Comporte-se e conforme-se, sua guardadora de desejos pouco sensatos...